Quando, não raro, tenho acesso a filmes escandinavos, principalmente os da Dinamarca, de duas coisas tenho certeza: Verei e amarei.
Há muito e, sempre, o potente cinema Dinamarquês aposta com grandiosos acertos e profundidades em dinâmicas familiares que resvalam para reflexões sobre moralidade abrangendo o social coletivo.
Sendo assim, o representante da Dinamarca no Oscar 2020, ( que brilhou ano passado com " Culpa", um dos filmes mais inteligentes desde sempre ( análise nº 956), tem um inteligentíssimo roteiro que provoca o espectador abrindo a trama com graves revelações futuras sobre ela, simplesmente para forçá-lo a se contorcer, sonhar e desejar muito mudar o rumo dos acontecimentos como se não houvesse destino, como se ações não gerassem consequências; como se as leis da física pudessem ser alteradas. Grande aposta!
A genial diretora, May el-Toukhy, conduz-nos com brilhantismo por uma narrativa mais que inquietante obrigando-nos a reavaliar nossos valores, com exímio domínio do que ela quer que vejamos e, portanto, avaliemos e justifiquemos até que, súbita, retoma as rédeas de sua estória forçando-nos a rasgar, as duras penas, todo vinculo emocional que criamos com a impressionante protagonista.
Hábil no manejo de narrativar, May el-Toukhy, já nos havia seduzido com a perspectiva de identificação com a mulher empoderada, engajada em questões relevantes, com a madrasta atípica que nunca recai na vilã, desafiando-nos a embrenhar em estudo de personagem que, por si só, já vale cada minuto em tela.
O jogo de xadrez entre o lobo e o cordeiro (mas quem seria o lobo ou o cordeiro?), entre o adolescente rebelde e a feroz advogada, parece que irá pelo caminho do óbvio, mas desvia-se disso abrindo para desdobramentos que buscam a realidade fugindo de qualquer artificialidade ficcional.
A vida é como ela é, como a tornamos, gostemos ou não...
Com fotografia casada com a textura da trama, os tons quentes alternados com os frios contextualizam duas interpretações memoráveis enquanto a trilha acompanha e intensifica o clima de thriller psicológico entre abusado e abusador, a dicotomia entre desejo irrefreável e razões imponderáveis que apenas o instinto de preservação humano pode sustentar.
O seu sustentaria ?
#QueenofHearts, sem grandes orçamentos, cenografias, figurinos, ações, sem “defeitos especiais”, sem pompas, mas repleto de circunstâncias, esse cinema essencial apenas quer dizer: “Às vezes o que acontece é o que não deveria acontecer” e, por suas mais que relevantes questões sobre a ética, é um dos melhores filmes de 2019 portanto, obrigatório para cinéfilos do mundo todo.
Bravo, Dinamarca!
Ps: Disponível um VOD