Saudosos os tempos em quer ir ao cinema era uma experiência que não terminava ao acenderem as luzes e deixarmos a sala de exibição. Como eram salutares as reflexões, os pensamentos, as conversas no bar, no carro, no trabalho, entre amigos ou colegas, nas horas, dias, meses e até anos após assistirmos a um filme de arte. E, sim, para vocês que pouco vivenciaram, ou não vivenciaram de forma alguma, esse cinema, ele existe. E, via de regra, é polêmico. Quantas discussões não houve, e até hoje não há, acerca de 2001, Uma Odisseia no Espaço ou Laranja Mecânica de Stanley Kubrick? Ou THX 1138 de George Lucas? Ou Cidadão Kane de Orson Welles? Ou, até mesmo acerca de filmes mais populares, como Amor, Sublime Amor – cujo tema não pode ser mais atual agora na era Trump – ou Kramer vs Kramer? Desde algum ponto no passado, que não sei exatamente precisar, mas acredito estar por volta da década de oitenta do século anterior, esses filmes, filmes que nos levam à reflexão, se tornaram mais raros e raros, chegando quase à escassez. Os motivos são muitos, e sua discussão filosófica, mas acredito girarem mais fortemente em torno da conjunção das forças comerciais dos estúdios com o declínio visto na educação e formação dos indivíduos desde então. E, de lá para cá, filmes que nos forçam a pensar, a refletir, a analisar, são, muito comumente, recebidos com ceticismo e, muitas vezes, com forte reatividade e críticas.
Mother! é um desses filmes. E o espectador, despreparado ou desavisado, se deparará com uma obra nada convencional, cheia de cenas absurdas e, para muitos, até grotescas, que farão muitos deixarem a sala insatisfeitos, ou até mesmo antes do término da película, mas que, querendo ou não, gostando ou não, confortável ou não, irá forçá-los à alguma forma de reflexão, mesmo que essa não os leve a lugar algum além da insatisfação. Na sessão em que assisti – a primeira do dia da estreia – duas senhorinhas que chegaram pouco antes do filme começar, saíram muito antes desse terminar.
Mother! começa com a personagem de Javier Bardem, Ele – e, sim, nenhuma personagem tem nome – colocando uma pedra transparente – um cristal? – em um suporte. Ao soltá-lo, a casa começa a ganhar vida e a câmera acompanha esse processo até chegar ao quarto onde a personagem de Jennifer Lawrence, a Mãe, parece emergir da cama. Aparentam ser um casal convencional, não fosse a casa completamente isolada e totalmente cercada de vegetação – como a terra cercada pelo espaço sideral –, os diálogos afiados e tudo um pouco etéreo. Uma noite, um homem aparece, coisas estranhas acontecem; no dia seguinte, sua mulher, mais coisas estranhas acontecem; depois, surgem seus dois filhos em disputa pela herança, o mais velho mata o outro e foge; segue-se o velório onde coisas muito mais estranhas acontecem, até que a Mãe expulsa todos da casa. Ele e a Mãe fazem amor e, no dia seguinte, ela sabe estar gravida. O tempo passa e Mãe está prestes a dar à luz. Coisas bizarríssimas acontecem até o final do filme, incluindo a morte do bebê de Mãe e a cena antropofágica com seu corpo.
Mother! é uma fábula, em si metafórica, recheada de alegorias e referências à Genesis e ao Apocalipse. Se olhar atentamente, o espectador, reconhecerá Adão, Eva, Caim e Abel, não à toa interpretados pelos irmãos Gleeson, a criação do homem, sua multiplicação – crescei-vos e multiplicai-vos – outras passagens que remetem a um apocalipse mundano composto, completamente, por referências aos dias atuais. E, como todas as fábulas, possui caráter educativo e faz referência entre sua história e suas personagens e o cotidiano humano.
O roteiro é ousado, alguns diriam proscrito, e muito bem organizado. Eu diria brilhante – eu, logo no início, percebi qual seria o final, mas acredito que meu olhar seja mais aguçado. A direção de Darren Aronofsky é excelente – percebam que a câmera ao chegar à personagem Mãe, não mais a abandona até quase o final do filme, seja de frente, em close ou não, sobre seus ombros ou em seu ponto de vista. Jennifer Lawrence está diferente de tudo o que já a vimos fazer antes; acredito ser essa sua melhor atuação. Javier Bardem faz o que deveria fazer sem destaques, positivos ou negativos. Michelle Pfeiffer e Ed Harris são um capítulo à parte nessa obra: suas interpretações são primorosas; é prazeroso vê-los em cena. Os irmãos Gleeson, Brian e Domhnall, esse último das sagas Harry Porter e Guerra nas Estrelas, estão muito bem, maior destaque para o último, que, continuamente, se destaca nesse mercado. O resto do elenco não é irrelevante, mas também não é relevante. A fotografia é excelente, os efeitos especiais também; o figurino é muito bem cuidado; a música e a arte se encaixam harmonicamente e caoticamente à trama, mas são perfeitas; e a edição é fantástica.
Mother! não é um filme para os fracos de espírito e, muito menos, para os preconceituosos, mas para aqueles que tem a mente e o coração abertos para novidades, para o diferente e que para aqueles que amam sair do cinema com a cabeça borbulhando de questões e reflexões. Se você não se enquadra nesse último grupo, saia de casa apenas se quiser quebrar seus paradigmas. Mas, se ao contrário, você se enquadra, não perca esse filme, pois vale à pena e, apesar de estar no turbilhão da polêmica – mas esses filmes sempre estão –, no futuro será uma referência para muitos e, com certeza, objeto de estudo em todas as escolas sérias de cinema.
PS: Em cartaz.
TRAILER