Em função de Jaclyn Jose ter ganho o prêmio de melhor atriz no Festival de Cannes 2016, fomos assistir este trabalho para descobrir os méritos de tal premiação/atuação. Não vimos. A não ser pelo take final, muito expressivo sim, Jaclyn, mesmo estando no centro da trama só tem esse último momento a ser destacado. Vai entender esse júri de Cannes...
Não obstante, nossa curiosidade acabou fazendo com que nos deparássemos com um trabalho interessantíssimo em vários aspectos fílmicos. Sim, esse drama naturalista filmado o tempo todo com uma inquieta câmera de ombro, nos leva para as paupérrimas ruas dos bairros carentes de Manila, apinhadas de pessoas sob forte calor e com todo o tipo de comércio possível e inimaginável para nós ocidentais, com o qual a população, cada um e cada família, a sua maneira, tenta sobreviver.
Por certo, essa sobrevivência a qualquer custo, acaba englobando o tráfico de drogas como fonte de renda mesmo que para tal, uma respeitável mãe de família se veja obrigada a abrir seu ponto de venda de metanfetaminas em sua miserável mercearia (na falta de outro nome para o estabelecimento).
Com esse plot simples o conhecido (sim conhecido para quem não acha que cinema é produto feito unicamente em Hollywood), diretor filipino, Brillante Mendoza, aproveita e faz seu grito de alerta sobre a corrupção generalizada no país, principalmente, (este é o foco), pela polícia que deveria combatê-la. Chegam a ser revoltantes as cenas dentro da delegacia (na falta de outra denominação para aquilo), pela banalidade e naturalidade com que a extorsão dos mais fracos é apresentada. Não, não existem cenas de violência física, pois a trama fica apenas no purgatório dos menos privilegiados filipinos sem chegar ao inferno.
Por outro lado, a solidariedade do povo, dos amigos e conhecidos surge como uma benção comovente, tão tocante que, para nós, soa como impossível tamanho desprendimento financeiro em meio a tanta escassez de tudo e, a jornada dos filhos para a liberação dos pais é algo bonito de se ver ainda que o sentimento de revolta continue latente.
Genialmente a direção opta por trabalhar com planos muito fechados e perfeitos planos seqüência que nos permitem captar cada nuance dos poucos personagens bem como segui-los criando um estado de imersão na estória que é como se nós estivéssemos a acompanhá-los. Não bastasse esse ótimo recurso, as imagens escuras com fotografia amarelada vão, desde o início, levando-nos para uma sensação de claustrofobia social ainda que nenhum ator demonstre, em nenhum momento, qualquer sentimento de medo, angustia ou sofrimento. Esse recurso dramático de não sentimentalizar a narrativa, resulta perfeito, pois é a vida de todas essas pessoas, então cabe apenas resolvê-la como se corriqueiras fossem tais situações tão bizarras.
Ma’Rosa é um trabalho urgente sobre a doença da corrupção que assola os seres humanos e é uma lástima que histórias em quadrinhos com personagens fictícios o impeçam de ter não só a divulgação merecida, mas também a distribuição e exibição necessária por tratar-se de pessoas reais, vivendo fatos reais nesse nosso mundo, infelizmente real.
E, enquanto a maioria do público ignorar o cinema engajado que pode sim, aos poucos, ir melhorando o mundo e optar pelo cinema de escapismo imposto pelos grandes estúdios, e por achar que tais temas não lhes dizem respeito ou não estão na sua realidade, o futuro do mundo está ameaçado, pois como já escreveu Bertold Brecht: “Primeiro levaram os negros. Mas não me importei com isso. Eu não era negro. Em seguida levaram alguns operários. Mas não me importei com isso. Eu também não era operário. Depois prenderam os miseráveis. Mas não me importei com isso. Porque não sou miserável. Depois agarraram uns desempregados. Mas como tenho meu emprego. Também não me importei. Agora estão me levando. Mas já é tarde.Como eu não me importei com ninguém. Ninguém se importa comigo.
Agora entendemos o júri de Cannes!
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