Os Portões do Inferno estão abertos, figurativamente, no filme que leva o nome do autor da inacabada escultura, Rodin. Não se trata de uma cinebiografia, mas de excertos de sua vida no período em que confeccionava essa obra – Os Portões do Inferno, na qual trabalhou até o final de sua vida, em 1917 – e no qual, simultaneamente, trabalhava na escultura de Honoré de Balzac. Duas encomendas, tremendos conflitos, tanto no conteúdo, quanto na forma.
No conteúdo, por um lado, tanto Camille Claudel, sua pupila – que conhecera em 1883 –, sua modelo para diversos trabalhos e sua amante, quanto Rose Beuret, sua companheira a mais de trinta anos e com quem tinha um filho, não podiam estar mais impacientes com a vida dupla de Rodin e o pressionavam por uma decisão, que era incapaz de tomar. Por outro, Rodin estava em grande conflito artístico: tanto com a responsabilidade em representar ninguém menos do que Balzac, por quem tinha enorme respeito, quanto com os supervisores da encomenda que não estavam satisfeitos com os resultados intermediários.
Na forma, o filme opta por não seguir uma linha narrativa linear, mas desvela e intercala fragmentos desse período de sua vida, algo entre 1891 quando foi comissionado com a escultura de Balzac e 1898, quando essa é finalizada e quando, finalmente, Rodin e Claudel terminam o tempestuoso relacionamento. O entremear das passagens ilustram – e aumentam – as tensões vividas por Rodin, Camille e Rose e as tensões e pressões artísticas exercidas em seu processo criativo, almejando descortinar o turbilhão emocional que tomava o artista, sua amante, sua companheira e sua obra nesse período. Os trechos ilustrados, estampam os conflitos entre Rodin e Claudel, Claudel e Rose, Rose e Rodin, as discussões artísticas e filosóficas entre Rodin, Monet, Cézanne, Rilke e outros, as relações entre Rodin e seus pupilos – algumas também suas modelos – e as modelos de fato, profissional e afetivamente.
O roteiro leva o espectador em uma viagem emocional durante a execução da escultura de Balzac. Não há uma linha narrativa linear definida, mas uma pela qual o espectador é conduzido a entender o processo criativo dessa obra confrontado com todos os conflitos vividos por Rodin nesse período. As cenas são intercaladas na edição sempre com o efeito “fade” – que leva a imagem progressivamente se fechar até o escuro total e depois se abrir até a próxima cena – e, às vezes, intercaladas por cartões com desenhos, possivelmente, do próprio Rodin, em preto e branco, que nos fornecem um referencial geográfico para as cenas seguintes. Esse efeito é quase didático e torna a narrativa mais lenta e um pouco maçante. A direção de Jacques Doillon, autor também do roteiro, é apenas competente. Vicent Lindon, Rodin – o mais experiente do triangulo Claudel-Rodin-Rose –, Séverine Caneele, Rose, e Izïa Higelin, Claudel, estão bem em seus papéis, realce maior para Séverine que faz uma Rose com dignidade. O resto do elenco é bom, sem grandes distinções. A arte é excelente, com maior ênfase para as cenas nos ateliês. Demais critérios técnicos são competentes, exceto a edição que poderia tornar o filme mais ágil, mantendo as mesmas tensões pretendidas.
Vivenciar esse momento ímpar da vida de Rodin, seus ateliês, suas obras, seus processos criativos, suas paixões, suas ambiguidades, suas fraquezas e sua grandiosidade é a principal experiencia proporcionada por esse filme, que enobrece a introspecção, o egoísmo e o egocentrismo que a arte, impiedosa, exige de seu criador. Seja você um amante das artes ou não, embarcar nessa viagem escultural elevará a sua bagagem cultural. Vale conferir.
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